5.1.06

A esfinge

[Caspar David Friedrich, 1811 - Paisagem de Inverno com igreja]

a C.

Fartaste-te das minha indiferença. Eu devia ter uns 20 anos, tu mais alguns. Telefonaste-me e disseste que não suportavas mais a minha ausência. Que eu não te telefonava, nem ia ter contigo. Não sabias que eu sempre tinha sido assim, que nunca demonstrei claramente os meus sentimentos. Hoje sou outro. Cresci, amadureci. Na altura cultivava aquela "pose" esfíngica que a princípio te fascinou, mas que agora tanto te irritava. Disseste-me coisas desagradáveis, mas verdadeiras. Eu, atordoado, não sabia o que te responder, o que dizer em minha defesa. Mantive-me em silêncio, não te disse uma palavra. Calaste-te também, ficámos algum tempo calados, só a ouvir a respiração um do outro. Interpretaste o meu silêncio como a prova final da minha indiferença, e despediste-te, pedindo que não te tornasse a procurar. Ainda que o meu coração tenha parado, nem então o meu gelo quebrou. Despedi-me friamente, e desliguei o telefone, já com as lágrimas a correr pelo rosto, único sinal visível do meu desespero.

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