13.1.06

A saudade

[Turner - San Giorgio Maggiore: amanhecer]

À memória do Rui

Nunca soube dizer "gosto de ti". Sempre guardei para mim os sentimentos que tinha para com os outros, mesmo quando eram óbvios, mesmo quando os outros eram pessoas que me eram demasiado queridas e mereciam ouvi-lo. Sempre tomei aquela atitude aparentemente despreocupada, talvez por defesa. Apenas em raras excepções de delírio sentimental deixei escapar algo. Mas em relação a ti não havia delírio sentimental desse género. Não era amor nem paixão o que eu sentia por ti. Era uma adoração imensa, intensa. Tínhamos quase nada em comum. Partilhávamos uma paixão clubística, era tudo. Tudo o resto nos separava. E no entanto, eu adorava-te. Pouco falávamos, de pouco podíamos falar, mas passávamos horas juntos, e tínhamos prazer nisso. Não tiveste nunca problemas em mostrar o que tu próprio sentias, em actos e em palavras, em momentos de maior emotividade - também os tivemos. Compreendeste-me sempre, aceitaste-me como eu era. E nunca tiveste pejo em mostrar e dizer que gostavas de mim, apesar disso. Eu ficava com um nó na garganta e não conseguia dizer tudo o que sentia. Nunca soube sequer dizer "gosto de ti". E se eu gostava de ti. Tanto que chegava a ser sufocante. Agora é tarde. Mas eu sei que tu sabias o quanto eu te adorava. Não era preciso dizê-lo por palavras. É que eu nunca soube dizer "gosto de ti". E tantas vezes to quis dizer.


Ausência

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner

Sem comentários: