24.1.06

A indecisão

[Correggio - Retrato de jovem]

Encolhido no seu banco, no recanto mais escuro do bar, o jovem não sabia como reagir. Enquanto beberricava o gin tónico olhava alternadamente para ele e para ela. Era evidente que ela estava apaixonada por si. Não lho dissera, mas as mulheres não costumam dizer essas coisas facilmente. Nem é preciso. Ele sim, ele dissera-lho, envergonhado. Mas dissera-lho. Calhara sairem os três naquela noite. O ambiente era tenso. O jovem sabia o que ia na cabeça dos dois amigos. Eles sabiam também que, naquela ocasião, eram rivais, ainda que tivessem consciência de que nunca poderiam alcançar o que desejavam. O jovem, por seu lado, beberricava gin tónico, e não sabia como reagir. A pose inacessível que tão laboriosamente criara ao longo dos anos não o podia salvar agora. Pelo contrário, parecia atiçar ainda mais os ânimos dos dois amigos, já exaltados pelo álcool e pelo ambiente sensual do bar. Passaram alguns minutos em conversas banais e esparsas, cheias de longos silêncios preenchidos pela música do bar. Ele levantou-se, ia buscar mais uma bebida. O jovem olhou para ela. O gin começara a desfazer-lhe a pose, trazendo à superfície a sua verdadeira natureza, calorosa e impulsiva. Não eram necessárias palavras. O jovem também a desejava. Não estava apaixonado, mas desejava-a. Sem palavras abraçou-a e beijou-a. Uma, duas, várias vezes. Ela soltava um ou outro gemido de prazer. Depois chegou ele. Bebia a sua vodca, simulando total indiferença. Mas era óbvia a sua decepção. O jovem alimentara-lhe a esperança de poder vir a ceder aos seus desejos. Fazia-o frequentemente. Largou a amiga. Bebera já demasiado gin. Estava numa situação imprevista. Não sabia como reagir. O amigo atacava a vodca. Olhava para o jovem como que dizendo "não te prendas por mim, é como se eu não estivesse aqui". Mas não era verdade. O seu sofrimento era óbvio. O jovem comoveu-se com o desgosto na cara do amigo. Também o desejava, ainda que de forma inconfessável. É ténue a fronteira entre a admiração intensa e o desejo. Acariciou-lhe a face. Nunca o teria feito, não fosse o gin libertador. Não era capaz de expressar publicamente as suas emoções. Mesmo em privado era-lhe difícil fazê-lo. Mas ali parecia haver uma força maior que o controlava. Abraçou o amigo, e beijou-o. Depois inclinou-se para trás, desesperado. O gemido da amiga fê-lo perceber o horror do que acabara de fazer. Desejou desaparecer. Acontecera tudo o que não podia ter acontecido.

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