2.1.06

Os três túneis

[Turner - Chuva, vapor e velocidade no Great Western Railway]

a E.

Uma vez disse-lhe que não, que não podia sair no dia seguinte. Mas fiquei a pensar naquilo. Entrei no comboio, a caminho de casa, sempre a pensar. Que talvez lhe parecesse mal. Que podia zangar-se comigo. Ou, pior, que podia fartar-se de mim. Um calor súbito percorreu-me o corpo, enquanto olhava pela janela e via a paisagem a passar. Deixei de ver. Que disparate, por que raio lhe fui dizer que não podia sair. Claro que podia, era só querer, nada me impedia. Que me teria passado pela cabeça. Estava a estragar tudo. Era óbvio que se ia desinteressar de mim. Não havia telemóveis na altura, não podia remediar o mal enquanto não chegasse a casa. Em longa angústia sofri o resto da viagem. E se não atendesse. E se não estivesse em casa. E se fosse demasiado tarde. Sofri. Até o comboio abrandar, após passar o primeiro de três túneis que anunciam a chegada a Torres Vedras, de quem vem de Lisboa. Depois fui em passo acelerado até casa, peguei no telefone e desejei ardentemente que estivesse em casa, que me atendesse, que se interessasse de novo por mim.

Sem comentários: