3.1.06

Frágil

[Dahl - Nuvens de tempestade sobre torre de palácio em Dresden]

a C.

Eu gostava de ti. Durante meses saímos regularmente. Percorríamos os bares do costume, no Bairro Alto. Invariavelmente parávamos no Nova, e acabávamos no Frágil. Durante meses a fio ansiei por cada uma dessas noites que passávamos em conversas vãs, bebendo copos e fumando cigarros. Eu gostava de ti. Um amigo comum dizia-me que avançasse. Impossível, nunca o faria sem ter alguma segurança. E tu parecias gelo, não deixavas escapar nenhuma emoção. Meses a fio. Do Nova íamos para o Frágil, e lá terminávamos a noite, fumando cigarros, bebendo copos e em conversas vãs. Tantas vezes desejei beijar-te, enquanto trocávamos mais umas palavras inócuas. Tantas vezes me apeteceu dizer "amo-te", interrompendo o teu discurso. Mas eu era incapaz de avançar sem ter alguma certeza. Tu parecias estar completamente ausente, ostentavas sempre aquele ar de quem quer dizer "estou aqui contigo, mas podia estar com qualquer outra pessoa". Numas férias escolares deixámos de nos ver e de nos falar. Eram aqueles tempos sem telemóveis nem correio electrónico, mais susceptíveis à quebra de contactos. Durante quanto tempo estivemos incontactáveis? Um ano? Mais? Um dia o nosso amigo comum disse que te tinha encontrado. Que lhe tinhas dito que gostavas de mim. Que durante aqueles meses a fio, enquanto trocávamos palavras vãs, enquanto bebíamos copos, enquanto fumávamos cigarros, durantes aqueles meses a fio desejaste beijar-me, enquanto falávamos de coisas mais ou menos importantes. Nesse dia voltou tudo aquilo que estava apenas latente, de forma voluntária, para me poupar a mim mesmo ao sofrimento. Durante todo aquele tempo tinha-me esforçado por te esquecer. Agora voltava tudo, com mais força ainda, agora não havia motivo para continuar a tentar esquecer-te. Pouco tempo depois reencontrámo-nos. Eu gostava de ti.

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