23.5.06

Lembras-te?

[Cristoforo Roncali - Anjo segurando livro]

à memória do Rui

Às vezes sinto que não te dei tudo o que merecias. Salvaste-me a vida, lembras-te? Não, se calhar não te lembras. Porque nunca chegaste a saber. Reencontrámo-nos quando eu achava que a minha vida já não fazia sentido. Eram dias negros. De desesperança. Acordava e não me queria levantar. Tomado de angústia. Nunca te contei isto, pois não? Nós falávamos pouco. Sobretudo falávamos pouco de nós. Mas tu sabias. Tinha escrito uma carta de despedida. Não era uma carta. Era um conto, que até foi publicado. Uma despedida em grande. Não queria mais. Não quero mais. A dor era insuportável. E não tinha cura. Eu achava que não tinha cura. Queria terminá-la. Libertar-me. Depois tu apareceste. Com aquele sorriso que não se percebia muito bem se era ingénuo se trocista. A tua amizade desenfreada. Não, nunca te contei isto. Ensinaste-me que a vida é simples e bonita. Aceitaste-me como eu era. Mostraste-me que há tragédias que não o são se as olharmos com mais cuidado. Deste-me a esperança. Nunca mais vi o mundo da mesma maneira. Lembras-te? Claro que te lembras. Não vou escrever mais. Pode haver quem me esteja a ler. Continuo o puto tímido e medroso. Há coisas que são só nossas. Que não quero que os outros saibam. Porque deixariam de ser só nossas. Digo-te apenas que me salvaste a vida. Mas agora não estás aqui. E fazes-me tanta falta.

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