16.5.06

Frustração

[Bosch - Alegoria da Gula e da Luxúria]

Aqueles dois ou três anos que se seguiram à minha estrada de Damasco foram de deslumbre e frustração. Abria-se-me um mundo novo de sentidos. Deixara de ser o adolescente afogado em acne, rejeitado pelas raparigas do liceu. Era agora quase um homem. Desejado por muita gente. Sem acne. Quase magro. Mas desconfiado. Como era possível. Ainda há tão pouco tempo fora sucessivamente humilhado. Não tinha dado por isso, mas mudara. Muito. Talvez fosse a imagem pouco ortodoxa que então exibia, nas roupas, nos cortes de cabelo, nos brincos. Afinal as mudanças físicas não tinham sido tão radicais. Mantinha até uma cara de miúdo impúbere. Mas agora sem acne. Ou então a pose inacessível que criara na adolescência como muro de protecção. Escudo de um carácter demasiado introvertido, mesmo misantropo. Inseguro. Que agora exacerbava até aos limites. Rapaz quase homem, vindo da província para a capital. Tinha medos. Exorcizava-os ostentanto o ar mais inacessível. Enigmático, diziam de mim alguns. Como pode ser tão enganadora a imagem que projectamos.

Desejado por muita gente. Sem acne. Quase magro. Mas desconfiado. Dava-me prazer esta nova condição. Brincava. Jogos de sedução inconsequentes. Não importava com quem. Raparigas. Rapazes. Não me definia sexualmente. Mantinha uma ambiguidade confortável. Que me permitia jogar em todos os campos. Inconsequente. Tinha medo. Tinha medos. Não entendia este novo mundo. Dava-me completamente, mas apenas até ao limite da sedução. Não concretizava estes jogos cruéis. Por medo. Gato e rato. Onde o rato fugia sempre.

Até àquele dia. Estrada de Damasco. Fiquei aterrorizado. Tinha passado os limites que para mim mesmo estabelecera. Perdera a inocência. Alguns beijos apenas. Mas a minha vida mudou. Era isto que queria. Mas não. Não era isto. Ou era. Durante um ano subi ainda mais os muros que me cercavam. Jogo do toca e foge. Levava a sedução até limites cada vez mais ousados. Dava-me mais do que antes. Mas no último momento fugia com mais terror. Refugiava-me na minha impassibilidade inacessível. Crescia, no entanto, o desejo dentro de mim. Experimentar outra vez. Deixar-me ir. Afinal era isto que eu queria. Não podia continuar nesta reclusão. E entreguei-me de novo. Foram então anos de deslumbre. De excessos. Excessos contidos. Beijos. Carícias. Bastava-me isso para aliviar a luxúria comedida que então me invadia. Retomava os antigos jogos de sedução. Agora mais cruéis. Inflamando de desejo. Mas contendo-me. Frustrando-me. A mim e aos outros.

2 comentários:

***Gui*** disse...

Já passei os meus olhos por milhares de outros sítios cibernáuticos e porém... nunca nada como o teu mundo! É, na verdade, um fascínio puro e muito pouco controlado... chego a sentir, por vezes, que devo parar de ler, mas não consigo! As tuas palavras... tiram-me as minhas!

Beijinhos ***

André . أندراوس البرجي disse...

Obrigado, Bri. É sempre bom ler palavras de encorajamento. Por isso não paro de escrever. Enquanto houver alguém que goste de ler o meu mundo, nem sempre fácil. Beijinhos