24.5.06

A humilhação

[Andrea del Sarto - Estudo de jovem]

a J.

Ali estava à minha frente. Alto. Mais alto do que eu. Gordo. Mais gordo do que eu. Aquele a quem declaraste o teu amor. Enquanto eu pensava que estava tudo bem entre nós. Aquele que te rejeitou. Ali estava. À minha frente. Olhando-me de cima. Magnífico. Triunfante. Então é este o idiota que te aceitou de volta depois de te teres arrojado aos meus pés. Diziam-no os seus olhos, não a boca. Essa entreabria-se escarninha. Cumprimentou-me. Sorrindo condescendente. Ouvi falar muito de ti. Eu tinha de sorrir. Não podia mostrar a minha dor. Não te queria perder. Estava disposto a tudo. Até a isto. Não compreendias. Não aconteceu nada, dizias. Pois não. Porque ele não quis. E eu tinha de o suportar. Ali. À minha frente. Ignorava-me, ostensivamente. Ou deitava-me olhares trocistas. O que lhe terás dito de mim. Como podes não compreender a minha dor? Mas não aconteceu nada. Pois não. Porque ele não quis. Já não eram só olhares. Dirigia-me agora palavras carregadas de segundos sentidos. Insultava-me. Eu tinha de sorrir. Fingir que não percebia. Responder educadamente. Garganta apertada. Estômago revolto. Tu não compreendeste. Nunca. A dor. A humilhação. Aquela presença. Alto. Magnífico. Poderoso. Não podia suportá-lo. E porém tinha-te aceitado de volta. Tinha-te perdoado. Perdoar o quê, se não aconteceu nada? Pois não. Porque ele não quis. Devia ter-me ido embora. Ter-te deixado. Não era capaz. Achava que não era capaz de viver sem ti. E assim suportava tudo. Aquele homem. Olhando-me de cima. Humilhando-me. Nunca percebeste.

2 comentários:

André . أندراوس البرجي disse...

Muito obrigado pela apreciação, Romã. Realmente eu não consigo entender quem não entende isto. Faz parte de um passado cada vez mais distante, felizmente. Passou-se há uns 9 anos. Hoje já não dói. Mas ficou a cicatriz.

vab disse...

uau!