16.7.07

Aquilo que não se pode contar . 7 . Frio

[Bosch - Tentação de Santo Antão (painel direito)]

... Ernst Spengler decidiu agir como na infância: para terminar com o terror do perseguido (que continuava a sentir) a criança deveria parar de fugir, dar meia volta, e dirigir-se de frente para o seu perseguidor
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Gonçalo M. Tavares, Jerusalém

verei que não está nada ali. Só uns pontinhos brilhantes que desaparecem quase imediatamente. Depois as trevas. Olhos deitados aos pés da cama. A ver. A ver o quê. O que não está lá. Dói-me o pescoço. De ficar ali de cabeça levantada a olhar o escuro. À espera de ver. E uma raiva frustrada. Porque não vejo nada. É que eu queria ver. Para depois morrer de horror. Pelo menos sabia que. É que assim. Este está não está. Não sei. Podia deitar-me e dormir descansado. Porque afinal parece que não está. Para quê este terror. Não há ali nada. Só os pontinhos brilhantes. Fechar os olhos e abri-los de repente. A ver se. Lá estão. Os pontos brilhantes. Só um momento. Um momentinho. A seguir desaparecem. Se calhar nunca estiveram. Partidas dos meus olhos. Mas e este frio que não é frio. Porque não está frio. Mas eu sinto. Este ar pegajoso que não me deixa respirar. Há ali qualquer coisa. Não é um fantasma. Antes fosse. Porque se fosse. Porque se fosse eu sabia o que era. Além disso eu não acredito em fantasmas. Se fosse um fantasma. Um poltergeist. Mas não é. Assim não sei. Ou sei. Se eu me levantar. E acender a luz.

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