12.7.07

Dies tenebrarum et caliginis

[Iluminura do Bellifortis de Konrad Kyeser (1414-1415)]

Como se eu não. E não. Não estou. Ainda que pise devagar devagarinho estas pedras sujas. E deite ao céu os olhos mal dormidos. Não estou aqui. Mediolanum. Cidade tão. Mas tão. Assim. Como se. Fuligem negra espessa ao longe. Um chapéu negro sem fim sobre as pessoas. Se ali havia pessoas. Parecia tão. E eu percebi que tinha chegado. Não era tanto aquela teia de carris e o lento toc toc do comboio enquanto saltava de linha em linha. Nem o céu pesado lambendo prédios cinzentos. Se calhar não eram. Mas agora só me vêm à memória fachadas nuas cinzentas. Nem as pessoas amarelas com olhos pisados e cantos da boca virados para baixo. Não era isso que me dizia ecce Mediolanum. Era aquele chapéu negro. Ao longe. Não havia topos de prédios. Nem flecha de catedral gótica. Só aquela nuvem de fuligem negra espessa. E o comboio devagar cada vez mais devagarinho. Tão. Mas tão feia.
Não estou. Rebolo devagar o corpo pela cidade. Faltam tantas horas. Para. E estes pombos. Aqui não se vê a nuvem negra. Porque estou no meio dela. Agarra-se-me ao corpo. Pegajosa. Se me tivessem banhado em azeite estragado. Mãos negras. Tú me estás dando mala vida. Mano negra. Onde as terei pousado. Na nuvem. Pousei-as na nuvem. E estes pombos. Que não me vêem. E se lançam doudos suicidas. C0mo eu me lançaria. Se pudesse. Pousava esta mochila tão tão tão pesada. Trepava até lá acima ao cume do Duomo. Como se fosse osga. Eu. A osga era eu. Não o Duomo. Depois saltava e caía e abria os braços e voava como estes pombos malditos. Que se lançam contra mim como se eu não estivesse. Fosse transparente. E eu não estou. Nem sou.
Só queria ir para casa. Deixar esta cidade medonha. E estes pombos.

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