En las noches el viento nos traía el rugido del león, y las ovejas del redil se apretaban con un antiguo miedo.
Jorge Luis Borges, Abenjacán el Bojarí, muerto en su laberinto
Estas coisas não acontecem. Porque não estamos em África. E portanto isto não pode ser um rugido. É o vento que não sopra. Ou um carro com música alta. Mas não há carros. Não há ninguém. Meto estas coisas na cabeça. Um leão no parque. Absurdo. Às vezes penso que enlouqueci. Se calhar devia. Mas não. É que se estivesse um circo na cidade. Uma jaula mal fechada. Pode acontecer. Mas como chegava ele aqui. Tinha de passar por toda a cidade. Alguém o via. A esta hora já andava toda a gente em alvoroço. E a noite está serena. Mas este gemido cavo. Se não é um leão. E não é. Não pode ser. Então o que é. Demasiado serena. A noite. Ontem havia as rãs. Mas hoje. Nem carros. Este cheiro a. Não sei. Nunca o tinha sentido. A animal. Talvez. Cala-te. Não há circo na cidade. Não sejas tolo. Nem estamos em África. Então o que é isto. Agora parou. Mas era como. Assim. Um choro profundo e curto. É melhor rodear o parque. Não pode ser um leão. Mas há ali qualquer coisa. Um burro. Talvez. Parecia um burro a zurrar. Mas um burro gigante. Só que eu nunca ouvi um burro a zurrar. Nem um leão a rugir. Mas um burro no parque. Absurdo. Podia ter vindo de outro lado. Pode haver um circo noutro lado. Um leão pode andar dezenas de quilómetros num só dia. Ou são os lobos. Porque os leões passam o dia a bocejar debaixo das acácias. Há uma acácia em frente a casa. Há duas até. Não têm muito tempo para andar a percorrer dezenas de quilómetros. E a noite só agora caiu. É quando eles despertam. E é de noite que. Está ali um leão. Está ali. Estou a vê-lo. O que é que eu. Correr. Não. Se correr ele. Fingir-me morto. Deitado à beira da estrada. Não passam carros. Se passar um carro eu mando parar. Se passar um carro eu. Levantar os braços. Exagerar a minha posição bípede. Vi isso num documentário. Eles têm medo das pessoas. Mas se este for de um circo. Está habituado às pessoas. Mais perigoso. Não tem medo. Não foge. Porque tem de ser de um circo. Se fosse selvagem eu tinha uma hipótese. Parava aqui e levantava os braços. E ele fugia. Mas ele não. Está a olhar. É tão grande. O que é que eu. Cem metros. Ou menos. Não tenho por onde fugir. Continuar parado. Talvez não me veja. Estúpido. É um caçador nocturno. Caça zebras só com a luz das estrelas. Claro que me vê. Já me viu. Levantou-se e está a olhar para aqui.
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