1.7.07

Aquilo que não se pode contar . 1 . O buraco

[Bosch - Tentação de Santo Antão (pormenor do painel central)]

Afirmar que es verídico es ahora una convención de todo relato fantástico; el mío, sin embargo, es verídico.
Jorge Luis Borges, El libro de arena

Nunca tinha contado isto a ninguém. Nem a mim. Porque se mo contassem. Não pode ser. Um delírio. Essas coisas não acontecem. Aquilo não existe. Depois respiro devagar três vezes. Devagar. Lanço a mão direita. Tem de ser a direita. Sobre o ombro. O esquerdo. Com um dedo percorro a omoplata. A esquerda. Devagarinho. Rezo aos meus deuses e peço por favor. Por favor. Aqui não há nada. O dedo dedeia serpenteia abrindo caminho na pele morna. E a cada segundo que passa e não. E não o acho. Enche-se-me a alma de esperança. Afinal essas coisas não acontecem. Um delírio. Depois. É sempre assim. Acho-o. O buraco. E todas as minhas dúvidas se afogam nele. Porque se mo contassem eu não acreditava. Fantasia. Mas ele está ali. O buraco na minha omoplata esquerda. Que me diz que aquelas coisas acontecem. Que aquilo existe. Nunca tinha contado isto a ninguém. Nem sei

2 comentários:

Ivy disse...

Olá.Encontrei teu blog por acaso pesquisando no google. Adorei teus escritos e levei teu link para poder te ler sempre.Um grande abraço!

André . أندراوس البرجي disse...

Olá Ivete. Obrigado pelas tuas palavras :) Bem-vinda à minha "nauis stultifera"!