وَتَحْسَبُهُمْ أَيْقَاظًا وَهُمْ رُقُودٌ وَنُقَلِّبُهُمْ ذَاتَ الْيَمِينِ وَذَاتَ الشِّمَالِ وَكَلْبُهُم بَاسِطٌ ذِرَاعَيْهِ بِالْوَصِيدِ لَوِ اطَّلَعْتَ عَلَيْهِمْ لَوَلَّيْتَ مِنْهُمْ فِرَارًا وَلَمُلِئْتَ مِنْهُمْ رُعْبًا
Alcorão 18:18 (*)
É um cão. Tem de ser um cão. Um cão enorme. Porque um leão. Absurdo. A esta distância e com esta luz. Mas está a olhar para mim. Vejo-lhe a luz do candeeiro reflectida nos olhos. Não pode ser. Não estamos em África. Se ele começar a andar. Porque os cães têm aquele passo rápido e lateral. Com o tronco arqueado. E os gatos. E os leões. Dançam enquanto andam. E os tigres. Se fosse um tigre era pior. Assim devagarinho ondeando o corpo. Cabeça baixa. Para cima e para baixo. Leve leve. Mas ele não se mexe. Só está ali. A olhar para mim. Nocturno. Porque só os animais nocturnos reflectem daquela maneira a luz nos olhos. Não é um cão. É um leão e eu estou morto. Um cão não levanta a cabeça e não ruge daquela maneira. Como se estivesse a vomitar o som. Nem tem aquele andar sensual. Sensual. Vou morrer devorado por um leão e são estas as imagens que me vêm a cabeça Porque. Vem em passo rápido. Deitando boca fora aqueles roncos medonhos. Não me vai comer. Porque não é assim que se comporta um leão quando caça. Exagerar posição bípede. Mas se me ruge. Deve pensar que sou um rival. Domesticado. Nunca viu outros leões. Só homens. Para quê exagerar a posição bípede. Nasceu e viveu entre. Não rujas dessa maneira mata-me come-me mas não rujas. O que faz um leão a um rival. Ataca-o e mata-o. Não me vai comer. Mas vai-me matar. E o que faz um rival fraco. Foge. Mostra que não é uma ameaça. Mas se eu fugir ele persegue-me. Porque é o instinto. Correr atrás daquilo que foge. Para comer. E eu não tenho hipótese. Qual é o meu máximo. Doze quilómetros por hora durante vinte minutos. Marca respeitável para um ser humano de trinta e cinco anos. Mas fácil para um leão jovem. Tem juba curta. Por isso é jovem. Que atinge facilmente cinquenta quilómetros por hora. Se eu levantar os braços e fizer muito barulho. Vai pensar que sou maior e mais forte e mais. Talvez tenha medo. Não tenho nada a perder. Só a vida. Que já está perdida. Amo-te. Nunca te disse. Mas amo-te. E tu sabes. E não me vais ouvir dizer que te amo. E os braços não saem. Colados pesados. Não consigo. Só esta dor no estômago. Está quase quase. Já lhe cheiro o bafo. Poucos metros. Dizem que nos passa a vida toda diante dos olhos. E a mim só me passas tu. Vou morrer com a garganta esmagada pelas mandíbulas de um leão ou com o pescoço partido ou esventrado por uma patada. E só penso no quanto te amo e que nunca tive coragem para.
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(*) "Julgarias que estavam acordados, embora estivessem a dormir. E virámo-los do lado direito e do esquerdo, enquanto o seu cão estendia as patas à entrada. Tivesses tu posto neles os olhos, e ter-lhes-as dado as costas e fugido, e terias sem dúvida ficado cheio de medo deles."
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