«Estando nestes apertos, nem para sentirem suas penas têm liberdade os miseráveis. Mandam-lhes que não chorem, nem suspirem rijo, porque presumem que é darem sinal aos dos outros cárceres. Se dão um ai, tendo penas que os obrigam a dar tantos, é crime. Se gritam ou falam alto, culpa grave, e como tal se castiga. Lamentável caso! É delito a queixa, são as culpas os gemidos! É virtude nos ministros o afligir - e crime nos presos o gemer e queixar! Geme o ar insensível, quando o ferem, e não gemerão os homens sensíveis e racionais?! Hão-de proibir-se e castigar-se os impulsos da natureza?! Quem, se não tiver um coração de pedra, ouvirá sem lágrimas e gemidos, a quem condenam gemidos e lágrimas? Chora, suspira e geme quem sente uma dor ou padece golpes que cortam o coração, ainda para a saúde; e não há-de chorar, suspirar e gemer quem sente tantos golpes na alma? Golpes que cortam a honra, a vida, a fazenda, não são golpes nem dires que possam encobrir-se nem disfarçar-se. Oh inumanidade que não usaram com os mártires os tiranos!»
Anónimo (séc. XVII), Notícias recônditas do modo de proceder da Inquisição com os seus presos.
Pe. António Vieira, Obras escolhidas. Prefácios e notas de António Sérgio e Hernâni Cidade. Volume IV. Obras várias (II). Ed. Sá da Costa
Sem comentários:
Enviar um comentário