3.6.07

Graal I . Actos de bem

[Bridgman - Bulaq]

«O próprio Ivan contaria, mais tarde, que tudo se passou assim por causa, digamos, da 'paixão pelos actos de bem' por parte de Efim Petróvitch, levado pela ideia de que um rapaz com capacidades geniais tinha de ser guiado por um educador genial. Entretanto, nem Efim Petróvitch nem o educador genial eram já deste mundo quando o jovem, terminado o curso do colégio, entrou na universidade.»
Dostoiévski, Os Irmãos Karamázov, ed. Presença


Mil novecentos e noventa e cinco. Ar de desafio. Tu sabias. Eu tentava esconder-te os olhos. Porque são os olhos que me traem. Sempre. Até quando se me endurece a cara. E eu sei ser tão duro. Tu sabias.

Posso sentar-me
Senta-te
Que porcaria é essa que estás a comer

Não podia. Quantos anos tinhas. Eu vinte e três. Tu não me lembro. Menos. Mas não era por isso. Houve aquela vez. Lembras-te. Passando a ponte. Não é imagem. Havia uma ponte. Grande de pedra. Romana. Em baixo um rio quase riacho. Ponte tão grande para rio tão pequeno. Porque não chovia. E o fim de tarde quente. Quente quente suados. Olhos no rio. Sabes. Tons laranja no céu que eu nunca tinha visto. Mas do que me lembro é do calor. O calor que nos calava. E das primeiras estrelas suadas. Calados olhos no rio. Aqueles silêncios tão plenos. Sim porque tu sabias. Um dia disseste que me ias levar contigo. Procurar o Graal. Eu ri-me. E disse-te que era uma fantasia medieval. Que o Graal não existia. Mas tu deitaste-me os olhos. E depois de um breve silêncio disseste. Existe. Tu é que não sabes. Mas eu sei. Existe. E riste.

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