7.6.07

Fogo

[Bosch - Tentação de Santo Antão (pormenor)]

«Diz ela: foi o último sacrifício de amor por parte de Julieta: mesmo imóvel ofereceu o seu corpo primeiro ao fogo.»
Gonçalo M. Tavares, a história de Julieta, a santa da Baviera


Não não era fogo era outra coisa qualquer. As horas quentes que me acariciavam o corpo. Pés dentro da água morna. Havia aquela sombra quente tão quente. E a tarde subia. Vagar vagarinho. Ardente. Brisa lambendo ao de leve a erva baixa. Why are you taking so many pictures of me. Am I. Yes you are. Pousava a câmera. Ria e deitava a cara no céu cerúleo. Soa bem. Céu cerúleo. Redundante. Rãs e lagostins. Havia rãs na fachada. Uma rã em cima de uma caveira. Parece que tem de se tocar para dar sorte. Sim sim. Como em Santiago. Mas ali não é uma rã. É uma reentrância na pedra. E depois metem-se lá os dedos. Também se dá uma cabeçada num santo. Coisa estranha. Uma cabeçada num santo. Isso devia dar azar. Porque dar uma cabeçada num santo. E depois abraça-se por trás. A posteriori. Hercle. Haud catholicum. Pelágio recusou. Numquid ergo me similem tuis effeminatum existimas. E então rasgou suas vestes e como bravo atleta na palestra se apresentou. Um dia contarei esta história. Agora regresso às margens do Tormes. Onde fazia tanto calor e o Sol me lambia a pele e todas as outras figuras que nesta descrição hão-de aparecer. Ou não. Não era fogo. Um dia. Hoje não.

1 comentário:

ritagrama disse...

Que o Tormes te seja propício, Lazarillo.
Boa viagem.