19.6.07

Via Damascena

[Andre del Sarto - Retrato de jovem]

Então decidi deixar de viver a minha mentira. Aqueles lábios beijavam beijos diferentes. Não eram mais doces. Nem mais quentes. Havia outra coisa. Não era só o beijo. Não era a barba que me arranhava a pele habituada a doce penugem de pêssego mulheril. Não não. Nem isso. Não estávamos abraçados. Não podia senti-lo. Só as mãos e os braços e a cara. E o beijo. Nem o cheiro de homem. Porque o homem cheira a homem. E era um cheiro novo nos meus dezoito anos que até então só tinham sentido cheiro de mulher. Mas não era isso. Então o que era. Não me perguntes. Não sei. E enquanto me sentava e pegava no copo de porto e passava a mão pela cara arranhada. E sentia o calor da mão dele na minha e do hálito doce. Doce doce. E enquanto serenava o coração destrambelhado. Deitava-lhe os olhos e via-lhe o perfil rude e os lábios que se abriam num riso de miúdo. Então decidi deixar de viver a minha mentira. Ganhar coragem. Ser homem. Agarrar a vida. E viver aquilo que eu era que eu sou.

2 comentários:

Anónimo disse...

cheguei aqui através de um verso de Catulo (passer mortuus est).

Parabens pelo seu blog, que acho magnífico e, se me permite, vou assinalar como um dos meus "favoritos".

André . أندراوس البرجي disse...

Olá, obrigado :)