17.6.07

Epistolário XXI

[Dürer - Cavaleiro]

tú gitana que adevinhas
me lo digas pues no lo sé
si saldré desta aventura
o si nela moriré

o si nela perco la vida
o si nela triunfaré
tú gitana que adevinhas
me lo digas pues no lo sé

(anónimo renascentista
cantado por Zeca Afonso e Luar na Lubre)

Ρ.Α. ao seu André

Não tens emenda. Olhas. Amas. E não tocas. Tiveste medo de mim. Não digas que não. Porque eu li-to nos olhos. E nas mãos. Que se erguiam para me tocarem. E depois desciam medrosas. Medo de quê. Consomes-te. Se me tivesses tocado. Mas não. Tu tocaste-me. Lembras-te. Eu senti-te. Sim sim. Não fiques já tão vermelho. Não vou contar. Tu sabes que eu te senti. E eu não te afastei. Podia ter-te empurrado. Questamerda. Ainda assim. Olhavas amavas. E não tocavas. Mesmo quando. Lembras-te. Quando me beijaram. E tu viste como eu reagi. Ou não. Não viste. Porque eu não reagi. Tão novos. Aqueles lábios nunca eu tinha provado. Tu lembras-te do outro. Que era igual só que. Esquece. Não fica bem aqui. Desculpa. É que isto é difícil. Porque eu nunca. E de repente. Mas sabes. Não. Esquece. Depois perguntei-te. Vistemogajo. E depois perguntei-te coisas sobre ele. E o ciúme nos teus olhos. Não. Não era ciúme. Raiva. De ti mesmo. Dos teus medos. Das tuas inseguranças. Porque ele foi capaz e tu não. E eu não lhe disse questamerda nem o empurrei. Em vez disso quis saber coisas sobre ele. Eu não o conhecia bem. A ti sim. Tão bem. Tu sabes que eu gostava muito de ti. Nunca saberás se. Porque nunca to disse. E não é agora que to vou dizer. Diante desta gente toda.

Eu lembro-me do teu beijo na minha cara. Não era a mesma coisa. O do outro era um beijo sensual. No teu havia tanto carinho. Eu sei. Eu sabia. Mas no teu beijo não havia desejo. E por isso ri. Olhei-te e ri. E tu ficaste vermelho. Gaguejaste. Sabes que gaguejas quando estás nervoso. E as pessoas ficam a olhar para ti comiseradas. Coitadinho é tonto. Mas eu sabia que tu não eras tonto. Tonto sim de amor. Isso eu sabia. Mas eu não podia. E aquele teu beijo. Na cara. Não era um beijo de amor. Respeitavas-me tanto. Demasiado. Pedias-me desculpa quando achavas que invadias a minha intimidade. E eu ria. Tonto. És tão tonto. O teu beijo. Beijo de irmão.

Se eu fosse alguma coisa se eu fosse alguém também teria tantas saudades tuas também te quereria tanto. Mas eu sou nada. Eu não sou. Sou imagem na tua memória. Sou memória.

Beso amigo
Ρ.Α.

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