21.6.07

Três pastorinhos

[Bosch - Juízo Final (fragmento)]

Foi tudo um erro grande. Não devia. Porque era só beber um café. Mas quem bebe um café. Bebe um gin. Ou não. Ou uma cerveja. E a noite tão amena. Quando se tem dezanove anos e não se sabe para onde ir. Depois vai-se para um bar no Bairro Alto com dois amigos.

Ela é bonita. Há entre nós uma química, como se diz nos romances pirosos. Vinte anos. Ou vinte e um. É mais velha do que eu. Não sei. Isto de querer saber a idade. Vem da aldeia. É virgem. Orgulhosamente. Aquela ingenuidade tão cativante. Olha-me com devoção. O miúdo da cidade. Tão cheio de brincos e roupa estranha. Não sabe que mais ingénuo sou eu. Que não sei o que quero. Ou sei. Mas não quero. Porque tenho medo. Porque. E ri-se. Ri-se como se dissesse ama-me. E se eu pudesse amava-a. Como amei e desejei a C. Aquelas noites loucas. Quando se lançava para cima de mim e me esfregava na cara as mamas violentas. Faz de mim o que quiseres. E eu não. Bom. Sim. Não sei. Eu tenho dezanove anos. Não sei para onde quero ir.

Ele é estranho. Efeminado. Detesto homens efeminados. Não suporto o teu riso maricas. E a maneira como me olhas. Eu sei o que tu queres. O que eu quero. Mas afasta-te de mim. Noli me tangere. Porque eu não sei não sei. O teu corpo. Não. Essa barba de vários dias. Eu não sou maricas. Sabes. Porque é verdade que ainda há meses. Sim. No Frágil. Um beijo. Mas isso não faz de mim um maricas. Ou faz. Faz faz. Porque não é o beijo. É o que vem atrás. O desejo. Não era preciso dar o beijo para ser maricas. Bastava desejá-lo. Pensar nele. Mas que digo eu. Afasta-te de mim por favor. Noli me tangere. Aprende latim. Eu tenho dezanove anos. Não sei para onde quero ir.

Beija-me. Não o diz. Ou diz. Com os olhos. Quem. Ele ou ela. Os dois. Eu estou no meio. E não sei. O cheiro suave de mulher. A pele arranhada da barba. Não sei. Porque eu sempre beijei mulheres. Mas. Não era só curiosidade. Desejo. Mas a coragem. E depois aconteceu no Frágil. O beijo. E eu tinha decidido deixar de viver a minha mentira. Não é fácil.

Não me lembro. Beijava-me furiosamente. E eu deixei. Correndo-lhe o corpo com as mãos frenéticas. Outra vez aquele sensação tão estranha. Barba. Adeus adeus. Adeus mentira. E depois olhei-a e vi-lhe tanta tristeza naqueles olhos. E dei-lhe um beijinho. Na cara. E depois agarrei-a e abri-lhe a boca e beijei-a com todas as minhas forças. Ela gemia de prazer. E eu larguei-a e sentei-me. E olhei para os dois e odiei. A mim. Aos dois.

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