28.6.07

Epitaphius secundus

[Caravaggio - A coroa de espinhos]

اضحك يضحك العالم معك وابك تبك وحدك
(Ri, e o mundo ri contigo; chora, e choras sozinho)

Quando eu morrer não quero que me olhem o corpo. Não há nada para ver. Metam-mo depressa depressa em caixa de madeira. Negra. Se não houver negra pode ser de outra cor. Mas não demorem muito por favor. É só dizer adeus. Adeus André. Já está. Adeus. E lancem-mo às chamas. Depressa depressa. Lume no máximo. Depois podem ver-me as cinzas. Se quiserem. Mas depressa. Que cinza é coisa que se vê tão depressa. Metam-mas num pote numa caixa. Pode ser num frasco. O que estiver à mão. Mas o que eu queria. Sabem. O que eu queria era que mas metessem num saco de papel. Daqueles castanhos que fazem barulho. E mas levassem ao tholos do Barro. E fizessem um buraquinho no chão ali sob a pedra deitada e mas deitassem com cuidado com cuidadinho no buraquinho. Mas depressa. Depois digam um poema da Sophia. Pode ser este. Quando eu morrer voltarei para buscar / Os instantes que não vivi junto do mar. Sem pressa. Porque já está. Já estarei morto e enterrado. Acabaram-se as pressas. Esqueçam-me. Porque eu também vos esquecerei. Mas antes de descerem a colina. Não custa nada. Digam o poema da Sophia. São trinta segundos. Não mais. Até pode ser outro. Um de que gostem. Pode nem ser Sophia. Pode ser o que quiserem. Porque já não será para mim. Serei então cinza fria posta em sepultura milenar. Eu serei nada. Não ouvirei não chorarei. O poema será para vocês.

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