28.6.07

Bibliotheca I . Umberto Eco "O nome da rosa"

Fa freddo nello scriptorium, il pollice mi duole. Lascio questa scrittura, non so per chi, non so più intorno a che cosa: stat rosa pristina nomine, nomina nuda tenemus.
Umberto Eco, Il Nome della Rosa

Mil novecentos e noventa. Eram os tempos da mudança. Finados os dias de escola secundária. Agora havia comboio pachorrento levando-me todos os dias todos para Lisboa - para a faculdade. Resfolegando lento lento em todas as estações e apeadeiros. Aprendi-os de cor. Runa. Dois Portos. E já não me lembro de mais. Eu sabia todos. Mas os anos passam. E com eles se vão estações e apeadeiros. E os sons e os cheiros. O toc toc das rodas nos carris. Ainda vou todos os dias para Lisboa - para a faculdade. Mas agora é um autocarro que não se digna parar em lado nenhum. Altivo enorme acelera na auto-estrada e em quarenta minutos já está. Não há duas lentas horas pachorrentas com cheiro a ferro. Não há tempo para leituras demoradas. E leitura não demorada não é leitura que valha a pena. Mesmo se for um conto pequenino de Kafka. Daqueles de meia página. Tem de ser demorada mastigada ruminada. Pesando cada palavra.

Naqueles tempos de mudança havia uma professora de Introdução aos Estudos Literários na Faculdade de Letras de Lisboa que se chamava Serafina. Dizia que não gostava do nome. Não sei porquê. Eu gosto. E dela. Era doce. Uma professora doce. Ainda é. Porque eu sei. E um dia a doce Serafina pequenina pediu-nos que lêssemos O Nome da Rosa. Porque era um livro extraordinário. Porque o prólogo era uma obra-prima da construção de verosimilhança narrativa. Que lêssemos pelo menos o prólogo. E eu li. Porque eu era muito obediente. Depois não parei. Lentas semanas lendo no comboio pachorrento. Devagar devagarinho. Porque era tão bom.

Mais tarde voltei a ler. E depois li outra vez. E quero ler ainda outra vez. Porque agora sei mais coisas. E terei de ler ainda mais outra vez. E outra. Porque então saberei mais coisas. E nunca deixarei de o querer ler. Porque nunca saberei o suficiente. Sempre na velhinha edição da Difel. A da capa com iluminura quadripartida. Não gosto da capa das novas edições. Monge medonho passando atrás de postigo aberto. É desta que eu gosto. Da minha. Do meu. A capa quebrada e as folhas soltas que saltam. Os sublinhados feitos por aquela amiga a quem o emprestei. Detesto que me sublinhem os livros.

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Bibliotheca

Não são apenas os melhores livros que li. São aqueles que de alguma forma
deixaram marca na minha memória. Não são prólogos à maneira de Borges. Porque eu não sou Borges. Não são recensões. São memórias. Cheiros. Sons. Cores. São os livros da minha vida.

2 comentários:

Smootha disse...

Não querendo de forma alguma invadir o seu espaço (do qual apenas li o último post), só o faço porque me arrepiei.
Várias vezes se senti impelido a ler, a reler, ...
Confesso que só recentemente comprei o livro, mas apesar de ser diferente (porque o é), esse impulso sinto de cada vez que vejo o filme. Posso andar a passear pelos canais, que se o encontro, fico a ver. Já perdi a conta ao número de vezes que o vi. E faço-o sem pensar duas vezes sequer. Vejo-o sempre como se fosse a primeira vez. Arreiei-me mas fiquei mais tranquila: afinal não é um "fetiche" meu. Só me fez pensar que tenho mesmo de arranjar tempo no meio do meu tempo para ler.
Obrigada.

André . أندراوس البرجي disse...

É um lugar comum dizer que o livro nada tem que ver com o filme, mas no caso do Nome da Rosa trata-se de uma situação limite. Quanto a mim um dos elementos que tornam o livro genial é a sobreposição de camadas, de narrativas dentro da narrativa. O filme aproveitou a única camada que era filmável, a da história policial. Mas como o próprio Eco disse, este não é um livro policial ;) Espero que te dê tanto prazer como me tem dado a mim.