11.6.07

Epistolário XVIII

[Baglione - São Sebastião assistido por um anjo]

«E quando chegarom aa Seda Perigosa, acharom i leteras novamente fectas, que diziam: 'A CCCCLIII anos compridos de morte de Jhesu Cristo, em dia de Pinticoste, deve haver esta seeda senhor'. Par Deus, disse Lançalot, quando esta maravilha ouvio: pois hoje deve haver senhor, ca da morte de Jhesu Cristo a este Pinticoste há CCCCLIII anos. E bem querria se podesse que estas leteras nom visse niũũ atee que veesse aquele que a há d'acabar.»
A Demanda do Graal, 8
(tradução portuguesa do século XIII)


Ρ.Α. ao seu André

Assim sim. Sim. Sinto-te tão tão. Outra vez. Como as coisas são tão. Tão mais. Quando te dizia que não te agarrasses a mim morto. Agora não precisas. .أحبه ويحبك إنشاء الله Gosto tanto de te ver assim. O mundo não acabou. Vês. Assim. De repente. Preso naqueles olhos. Ai ai. E eu escrevo e leio e sinto. E é como se fosse eu. Porque eu sou eu. Porque eu sou tu. E quando. Não não. Deixa correr. Porque mesmo que não. Mesmo que. Assim estás tão bem. Assim eu.

Tão bom tão estranho. Et Salmanticae tu. Iterum. Estava lá o Tormes. E a Fonda Lisboa. Lembras-te. Eu não. Porque eu não estava lá contigo. Mas eu sei. O clac clac abafado das cegonhas cortando o calor da tarde. O corpo molhado debaixo do duche tão fresco. E a noite quente quente. Um dia voltarás a contar isto tudo. Eu não me lembro. Mas sei. Tão miúdo. Vinte e um anos curso acabado. Cabelo comprido tantos brincos. Óculos redondos pequeninos. Calças rotas botas militares. Bebendo sangria tanta tanta fumando cigarros. Havia o Edward e o amigo e a holandesa avantajada. Parvo. Dá Deus nozes a quem não tem dentes. Os outros holandeses. Quantos eram. Não te lembras. Eu também não.

E agora. Tantos anos depois. Tão diferente. Tu. Porque o Tormes ainda lá está. Igual. Mas tu. Cabelo curto com cãs. Os brincos sim. Mas menos. E a roupa roupinha tão bonita bonitinha. Não há holandesas avantajadas nem ingleses de olhar penetrante. Há respeitáveis académicos espanhóis e portugueses. E tu académico. Quem te diria. Quem te via. Quem te sente. Tão calmo sempre tão calmo.

Sinto que não me queres ler. Ouvir. Porque tens a tua cabeça noutro lugar. E eu gosto de te ver assim. De te sentir. Porque quando te sentes. Eu também te sinto. Me sinto. Deixo-te mergulhado nos olhos cerúleos que te aprisionaram. Não te afogues.

Adoro-te.

Sem comentários: