Yace aquí de un amador
el mísero cuerpo helado,
que fue pastor de ganado,
perdido por desamor.
Murió a manos del rigor
de una esquiva hermosa ingrata,
con quien su imperio dilata
la tiranía de amor.
Cervantes, El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha
André ao seu querido Ρ.Α.
A ausência das tuas saudades não me entristece. Egoísta seria se te exigisse sentimento qualquer. Nunca to exigi. Nunca te exigi nada. E eu sei que as querias ter. Porque as tinhas antes de. Quando me atrasava em Lisboa e me ligavas e dizias então quando é que chegas. Como se não nos víssemos há semanas. E ainda poucas horas antes. Agora que não és. Agora ficam-me as minhas saudades. As tuas não me fazem falta. O que me faz falta é a tua presença.
És tábua e és barco. Quando me vejo de novo desprezado volto a ti. Não sei como foste capaz de perdoar. Porque eu não te vi. Naquele breve tempo em que passaste por mim. Tu estavas ali. E eu estava com os olhos tapados com força com as minhas duas mãos. Deixei-te passar ao lado da minha vida. Cego cego cego. E só te vi quando já não era possível ver-te. Nem emendar a mão. E entretanto eu tinha-te deixado sem te. Porque tu não tiveste dez anos para mostrar o que valias. Nem cinco. Nem três. Nem dois. E valias tanto. Alguns meses. Não mais. Até eu decidir que afinal tinha sido um capricho. Sem esperar. Até te deitar borda fora com dois pontapés e um empurrão. E tu perdoaste-me.
Não te preocupes comigo. Ouvi as tuas pedrinhas na janela. O barco vai longe e eu deixarei de nadar atrás dele. Porque não vale a pena. Porque estou cansado. Porque eu parei e levantei-me sobre as águas e olhei-me nos olhos. E gostei do que vi. E depois mirei o barco que se afasta e pensei. Adeus. E ainda dói. Mas a cada dia que passa vou vendo gestos que me dizem que não vale a pena. Que ando a chorar por quem me. E eu, amigo, sabes que não me arrasto muito tempo. E ergo-me mais forte. Cada vez mais. Mas há demasiados olhos. Dir-te-ei em carta mais privada que sei a tua opinião e que a tua opinião começa a ser a minha opinião. A cada dia que passa. Dez anos depois continuas a ter razão. Mesmo depois de. E enquanto vejo aquele barco fugir no horizonte. Quando me pensava perdido. Vejo-te barco antigo regressar ao longe. Mas não te consigo chegar. Porque. E aquelas tardes a derreter cera e a fazer velas. E a pingá-las em garrafas para formar motivos estalactíticos. Olhos abertos em silêncio. Só o respirar dos corpos e o calor da chama e o cheiro forte da cera. E às vezes cruzávamos os olhos e eles riam um para o outro. Porque o resto das nossas caras mantinha-se hirto fixo na chama e na cera. Chama tranquila quase ausente. Ardia devagar sem queimar. E eu não dei por isso. Eu sei que te seria difícil. Não impossível. Porque tu tinhas coragem. Não tinhas medo de nada nem de ninguém.
É verdade. Nem eu mesmo me reconheço. Quarenta quilos a menos. Muito exercício dieta séria vontade de ferro. Mas que me importa. Corpo novo mente velha. Não penses que me queixo. Gosto da minha mente. Mais do que do meu corpo. Não a trocava. Às vezes penso e se eu pudesse trocar de corpo. E depois olho-me nos olhos e gosto do que vejo lá dentro. E não quero trocar de corpo. Porque a minha mente depende deste corpo. E quando este corpo se for vai-se com ele esta mente. E ficarei apenas na memória dos outros. Como tu estás agora na minha.
Adoro-te. Queria tanto que estivesses aqui.
Α.Φ.
És tábua e és barco. Quando me vejo de novo desprezado volto a ti. Não sei como foste capaz de perdoar. Porque eu não te vi. Naquele breve tempo em que passaste por mim. Tu estavas ali. E eu estava com os olhos tapados com força com as minhas duas mãos. Deixei-te passar ao lado da minha vida. Cego cego cego. E só te vi quando já não era possível ver-te. Nem emendar a mão. E entretanto eu tinha-te deixado sem te. Porque tu não tiveste dez anos para mostrar o que valias. Nem cinco. Nem três. Nem dois. E valias tanto. Alguns meses. Não mais. Até eu decidir que afinal tinha sido um capricho. Sem esperar. Até te deitar borda fora com dois pontapés e um empurrão. E tu perdoaste-me.
Não te preocupes comigo. Ouvi as tuas pedrinhas na janela. O barco vai longe e eu deixarei de nadar atrás dele. Porque não vale a pena. Porque estou cansado. Porque eu parei e levantei-me sobre as águas e olhei-me nos olhos. E gostei do que vi. E depois mirei o barco que se afasta e pensei. Adeus. E ainda dói. Mas a cada dia que passa vou vendo gestos que me dizem que não vale a pena. Que ando a chorar por quem me. E eu, amigo, sabes que não me arrasto muito tempo. E ergo-me mais forte. Cada vez mais. Mas há demasiados olhos. Dir-te-ei em carta mais privada que sei a tua opinião e que a tua opinião começa a ser a minha opinião. A cada dia que passa. Dez anos depois continuas a ter razão. Mesmo depois de. E enquanto vejo aquele barco fugir no horizonte. Quando me pensava perdido. Vejo-te barco antigo regressar ao longe. Mas não te consigo chegar. Porque. E aquelas tardes a derreter cera e a fazer velas. E a pingá-las em garrafas para formar motivos estalactíticos. Olhos abertos em silêncio. Só o respirar dos corpos e o calor da chama e o cheiro forte da cera. E às vezes cruzávamos os olhos e eles riam um para o outro. Porque o resto das nossas caras mantinha-se hirto fixo na chama e na cera. Chama tranquila quase ausente. Ardia devagar sem queimar. E eu não dei por isso. Eu sei que te seria difícil. Não impossível. Porque tu tinhas coragem. Não tinhas medo de nada nem de ninguém.
É verdade. Nem eu mesmo me reconheço. Quarenta quilos a menos. Muito exercício dieta séria vontade de ferro. Mas que me importa. Corpo novo mente velha. Não penses que me queixo. Gosto da minha mente. Mais do que do meu corpo. Não a trocava. Às vezes penso e se eu pudesse trocar de corpo. E depois olho-me nos olhos e gosto do que vejo lá dentro. E não quero trocar de corpo. Porque a minha mente depende deste corpo. E quando este corpo se for vai-se com ele esta mente. E ficarei apenas na memória dos outros. Como tu estás agora na minha.
Adoro-te. Queria tanto que estivesses aqui.
Α.Φ.
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