25.5.07

Epistolário XI

[Bosch - Homem árvore]

Difícil é saber de frente a tua morte

E não te esperar nunca mais nos espelhos da bruma.

Sophia de Mello Breyner Andresen

André ao seu Ρ.Α.

Eu não sou corpo. Nem espírito. Não nada. Nada. Não tenho nada. Não te fui corpo. Não te fui espírito. Não te fui nada. E achei que te deixava para me entregar a quem. Sim. Levarei esta culpa para o meu frasco de ferro negro. Olhar-te nos olhos e ver-te a tristeza pingar. E eu impiedoso. Que voltava para quem amava. Vinte e seis anos. Quando se pensa que se sabe já tudo. Para quê. Para nenhum de nós. Sabes que é isso que me dói tanto tanto. E por isso não deixo de o escrever. Até me cansar. Da minha cegueira. Passaste à minha frente. E eu não te vi.

Virei as costas ao mar à praia. Adeus. Vale. Porque eu estou farto. Já me arrastei tanto. E eu não mereço. Tu tinhas razão. Tu tens sempre razão. Quando eu te dizia eu amo e tu me dizias não tu não sabes o que é amar. E me dizias daqui a uns anos falamos. E tu tinhas razão. Mas não falámos. Porque me morreste. Olho para trás e não te vejo. Queria lançar os meus olhos nos teus. Dizer-te que. Não adianta. Já foi. Dicebam haec et flebam amarissima contritione cordis mei. Agostinho. Santo. Um dia falo-te dele. Porque agora não é tempo. Agora é tempo de estares sozinho no meu coração.

A janela do meu quarto aberta escancarada para fazer sair o ar que me inebria. E não mais me voltarei na cama para lançar os braços a quem mos recusou. E se o fizer sei que vais estar lá para me acordares e dizeres em bom latim miser misercule desinas ineptire. Porque agora só tu és dono das minhas noites. Expulsei quem não precisava de mim. É que eu não preciso de quem não precisa de mim. E agora tranco a porta. Por fim. E cá dentro só estamos nós os dois. Tant pis pour. Porque o dia é nosso. E a noite de ninguém. E um dia também eu serei nada. Cinza num frasco.

Eu canso. Eu não existo. Eu sei. Eu sou desconfortável. Eu perturbo. E tu amparas-me o meu desconforto. Porque eu não quero ser confortável. Quem não gosta do meu desconforto não me merece. E eu sofri tanto para me tornar desconfortável. Tanto. E eu pensava que nunca me. Não. Não vou deixar de ser desconfortável só porque me torno desconfortável para quem não consegue chegar-me. Il choisissent le plus confortable? Bon, tant pis pour eux. Mois, franchement, je m'en fous. Toi, par contre, tu n'as pas eu peur de moi. Tu ne craignais rien. E eu. Eu não tenho medo de nada. Nem de ninguém. Só de mim.


Je t'adore. Tu me manques. Follement.
André

Sem comentários: