31.5.07

Epistolário XV

[Cecco del Caravaggio - Mulher com pomba]

«Is it true? I lie in the dark... it is true, I think it is over. She sleeps, there was no end, the suspension came unnoticed like sleep itself. Yes, the ancient to and fro rocked her sleep, and in sleep she drew me to her side and placed her leg over mine. The dark grows blue and grey and I feel on my temple, beneath her breast, the ancient tread of her heart to and fro.»

Ian McEwan, To and Fro


André ao seu querido Ρ.Α.
Queria saber o que é ser nada. Não não não ralhes comigo. Porque ser nada é tão melhor do que ser isto. Tu sabes. É que ser isto. Ver os dias caindo uns sobre os outros. Iguais. Chumbados. Noites pegajosas lambem-me com línguas de sal as feridas do corpo partido. Et excrucior. As horas choradas à espera do fim. Eu quero saber o que é ser nada. Porque eu sei nada. Senão os dias de chumbo rebolando sobre as noites de visco. Et excruciabor. Não sei o ser corpo frio descarnado em caixa escura. Mas sei o ver corpo frio amado sem vida. Sei o ouvir a terra cair pesada sobre corpo frio amado sem vida. Não sei a dor horrenda que te arranca as entranhas e te mata devagar devagarinho com data marcada. Mas sei a dor medonha que me devora a alma e ma mata devagar tão devagarinho. Não ralhes não por favor. Porque eu sei. A tua dor não tem igual na minha. Porque a tua rasgou-te e sangrou-te e comeu-te a carne e matou-te. E a minha não rasga nem sangra nem come nem mata. Porque a minha está na alma não está no corpo. Tu sabes. Mas tenho esta outra dor que tu não sabes. O ver-te estendido quase invisível branco sem vida. E nem esta mata nem come nem sangra nem rasga. Mas dói dói tanto e nunca mais pára nunca mais morre. Assombra-me as noites e os dias e os sonhos. E eu sei que não me deixa a alma enquanto tem corpo que a alimente. Por isso, amigo, às vezes gostava de ser nada. Porque ser isto.

Eras Sol forte quente que me ardia o corpo. Não Lua statu uariabilis que vai minguando com o passar dos. E um dia será Lua Nova. Sabes. Invisível. Está lá mas a gente não a vê envolta em sombra. Como se ali não estivesse. Agora vai minguando minguando já quase não se vê. Porque quer. Podia ser astro quente tão quente como os. Mas enrola-se conformado derrotado no seu leuis status uariabilis. Porque eu sei. Um dia breve breve ser-me-á status indifferens. Et exultabit anima mea. Até lá vou virando lento as costas e olhando para o horizonte de onde nascerás tu Sol forte quente. Statu stabilis. Não sei para quem escrevo. Não sei quem és tu. Não sei quem espero. Porque tu não voltas a nascer. E tu morreste.

Vale

3 comentários:

ritagrama disse...

Caligula

Acte I
Scéne III

La scène reste vide.
Caligula entre furtivement par la gauche. Il a l'air égaré, il est sale, il a les cheveux pleins d'eau et les jambes souillées. Il porte plusieus fois la main à sa bouche.
Il avance vers le miroir et s'arrête dès qu'il s'apperçoit sa propre image.
Puis, il va s'assoir à droite, les bras penchant entre les genoux écartés.
Hélicon entre à gauche, Apercevant Caligula, il s'arrête.
Silence.

ritagrama disse...

ELEGIA I

Al Duque d'Alba en la muerte
de Don Bernaldino de Toledo

Aunque este grave caso aya tocado
con tanto sentimiento el alma mía
que de consolo estoy necessitado,
con que de su dolor mi fantasia
se descargasse un poco y s'acabase
de mi continuo llanto la porfia
quise,pero, probar si me bastasse
el ingenioa escribir algún consuelo,
estando qual estoy, que aprovechasse
para que tu reciente desconsuelo
la furia mitigase, si las musas
pueden un corazón alzar del suelo
y poner fin a las querellas que usas,
con que de Pindo ya las moradoras
se muestran lastimadas y confusas;
que según he sabido, ni a las horas
que'lse muestra ni en el mar s'asconde,
de tu lloroso estado no mejoras,
antes, en él permaneciendo donde-
quiera que estás, tus ojos siempre bañas,
y el llanto a tu dolor así responde
que temo ver deshechas tus entrañas
en lágrimas, como al lluvioso viento
se derrite la nieve en las montañas.
Si acaso el trabajado pensamiento
en el común reposo s'adormece,
por tornar al dolor con nuevo aliento,
en aquel breve sueño t'aparece
la imagen amarilla del hermano
que de la dulce vida desfalece,
y tú tendiendo la piadosa mano,
probando a levantar el cuerpo amado,
levantas solamente el aire vano,
y del dolor el sueño desterrado,
con ansia vas buscando el que partido
era ya con el sueño y alongado.


Garcilaso de la Vega
Ed. Assírio e Alvim


Pois. Não sei o que faço aqui. Não sei porque desarrumo as estantes em nome deste sítio sitiado.




"La virgen va caminando
va caminando solita
solo lleva por compaña
el niño en sus manitas
pero mira como beben
los peces en el rio
pero mira como beben
por ver a diós nacido
beben y beben
y vuelven a beber
los peces en el agua
por ver a diós nacer.

Cantado por Lhasa de Sela.

HEL disse...

Perfeição.