10.5.07

A morte de Séneca

[Crónica de Nurembera - Morte de Séneca]

Pediu sereno Séneca lhe fosse permitido escrever o testamento. O centurião não permitiu. Quem sabe se medroso. Não fosse Nero saber. E se Nero não quiser que o velho escreva o testamento. Não. Séneca voltou-se então para os amigos que já o choravam, e pediu-lhes que tomassem dele o único e mais nobre bem, a imagem da sua vida. E não chorassem, que tanta filosofia lhes deveria agora servir para mostrarem aspecto mais digno. E voltando-se para a mulher abraçou-a num último abraço de amor. Não me chores. Que suportasse a perda com honra. Não, Lúcio. Pois também eu morro contigo. Se contigo acordei se contigo me deitei. Se a ti te amei. Contigo morrerei.
Toma a espada. Corta a veia mais grossa. E não corre o sangue não flui. Porque me pesam os anos. Secaram-me os ossos e as carnes e a veia e a vida. Mais um golpe. Mas não sai não sangra não morro. Nem das pernas. Secas mirradas. E a visão dela sangrante. Pudesse eu morrer por mim e por ti. Pudesse livrar-te a minha morte. Ver-te assim. Rasga-me o coração não as veias. O ferro. Lembras-te. E se. Tolerar tolerar. E o sangue que não sangra. A ferida que fecha. Não sangro não morro. Amor. Deixa-me morrer. Que morro de te ver morrer.
Nem ferro nem veneno nem morro. Já não te vejo. Morria de te ver. E se cortasse mais fundo. Ainda. Não chega não dá. Não morro do ferro. Não morro do veneno. Monstro que criei. Mata mãe mata irmão mata tutor. Não mata que a morte não chega. Que é ele quem morre não eu não ela. Que quem mata o corpo e não mata o espírito não recearei. Et nolite timere eos qui occidunt corpus animam autem non possunt occidere sed potius eum timete qui potest et animam et corpus perdere in gehennam. Isto não escrevi eu. E este veneno que veneno não é.
Suave calor me beija os membros secos mirrados. Água quente ardente. Ioui liberatori. E já a sinto. Passando-me os dedos frios pela garganta. Apertando devagarinho devagarinho. Já não sei respirar. É doce. Não sei. Onde estás. Um último abraço meu amor. Que não quero morrer sem ti. As trevas. Chegou. Eu sei.

1 comentário:

Edith Janete disse...

"A vida,se bem empregada, é suficientemente longa..." (Sêneca)
Gosto desta!
Se quiseres dar um pulinho nos meus blogs...
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São simples, mas talvez tenhas algo para acrescentar.
Abraço